Igrejas modernas, “feias como o pecado” X Igrejas tradicionais, antecâmaras do Céu
Para arquiteto
americano, muitos sentem, mas poucos dizem: as igrejas modernas criam um
ambiente que leva à perda da fé. Em sentido contrário, as igrejas antigas,
fiéis à tradição, estimulam a fé e a piedade, tornam atraente a virtude e
alimentam o desejo do Céu.
Luis Dufaur
Por certo o leitor já terá visto igrejas católicas em estilo moderno ou
modernizado, ou mesmo entrado em alguma delas. Que impressão causam? Para
muitos, as formas e estilos artísticos não tradicionais causam mal-estar
psicológico. Por isso, não raramente lamentam-se, e confessam ter saudades dos
estilos antigos. Se o leitor conhece gente assim, ou é um deles, encontrará
aqui algo que lhe explicará muitas coisas.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhcOYCix58idhW6z0KY6mcqWRTeQNDEnmIL20TAAybhQMomYHHbmofC8_nnyeAY9bQvm5I5p3C-_T6jktR8TPMc8IL8swFWNR_x0fuA9BjV-ZVn4iAOCslx48_1HDChzfEdifsjBJaTR28K/s320/catedraistradicionais_modernascapa31.jpg)
Faltava a publicação de um estudo que apontasse com
clareza, conhecimento, seriedade e respeito o que a nova arquitetura católica
tem de censurável. Michael S. Rose, jovem arquiteto americano, doutor em Belas
Artes pela Brown University (dos EUA), pôs o dedo na ferida. E a repercussão
foi vasta. Seu livro, Feia como o pecado — Por que transformaram nossas igrejas
de lugares sagrados em salas de reunião, e como voltar atrás(1), tornou-se
leitura de referência. Na esteira desse sucesso, o autor publicou Em camadas da
glória: o desenvolvimento orgânico da arquitetura das igrejas católicas através
das épocas(2) e entrou na lista dos best sellers do “New York Times”.
No texto que segue, o primeiro livro será citado com a letra U (de Ugly,
feia), seguida do número da página. E o segundo livro será citado com a letra T
(de Tiers, camadas), também seguida pela página correspondente.
Ambiente
arquitetônico influencia tendencialmente os fiéis
![]()
Michael S. Rose
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Embora Dr. Rose seja católico, escreveu
sua obra do ponto de vista de um arquiteto. Identificou os princípios e usos
que guiam os profissionais quanto à feiúra arquitetônica religiosa moderna.
Vasculhou na tradição e na história da Igreja as razões pelas quais um templo é
católico independente de estilos, escolas e eras históricas. Encontrou um
tesouro de doutrinas — algumas reveladas por Deus, e muitas outras elaboradas
pelo Magistério tradicional da Igreja.
Constatou que os fundamentos dos
estilos católicos para construir igrejas ao longo de dois milênios foram
contestados e expulsos pela nova arquitetura eclesiástica. Não é uma
divergência de gostos, preferências, comodidade ou custos, segundo o autor.
Trata-se de uma oposição medular entre dois modos de considerar a ordem do
Universo, da Redenção e da Igreja, aplicados à arquitetura.
As duas concepções passam
mensagens antagônicas, através de formas estéticas, cores, proporções, num
sem-número de elementos simbólicos materiais. Elas modelam o modo de sentir, de
praticar e de aderir à fé e atingem algo muito íntimo: o próprio modo de ser de
quem frequenta as igrejas.
Capa de seus dois bestsellers
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhDs4HuxJ39cpm_VpGJb0tCrCN5SSvTvs_unIOm1MrtuCJ7dqOAX46h6MQZK2-pXeC-kJXYXpGavfSGryYOBOUuc8WMYZsNNWkgCvElMhYEJbFroopuH8YSKtXrlhDzR6xFOvpMv4E2ix5v/s320/catedraistradicionais_modernascapa02.jpg)
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhCi6inLsbkfmAlb6OmeZhoulbTbzqmSdR7wEl4d-K-8TZ8hA8WAtbg-m8MNpUsLuUQVzVoeA0x-RkjFK2Fr07f_e3f0H42tElbSESOaH60dVPvAuEqSKAOqgF297iH33bYLSpBkk2l8wZv/s320/catedraistradicionais_modernascapa00.jpg)
Dr. Rose timbra em ressaltar: “Um postulado básico que os arquitetos aceitaram
durante milênios é que o ambiente arquitetônico tem a capacidade de influenciar
profundamente a pessoa, o modo como ela age e sente, o que ela é” (T, 9). E
acrescenta: “A arquitetura da igreja afeta o modo mediante o qual o homem
pratica o culto; o modo de prestar culto afeta o que ele crê; e o que ele crê
afeta não somente sua relação pessoal com Deus, mas o modo como se comporta na
vida diária” (U, 7).
Como isso acontece? Rose o mostra, historiando a origem de ambas
concepções.
Fidelidade das igrejas antigas às origens bíblicas e canônicas
Fidelidade das igrejas antigas às origens bíblicas e canônicas
O arcabouço do templo católico foi
ditado por Moisés durante a travessia do deserto. Ele mandou que os judeus
demarcassem nos acampamentos um espaço retangular sagrado. Numa extremidade era
montada a tenda, ou tabernáculo, que continha a Arca da Aliança com as Tábuas
da Lei. Diante da tenda, erigia-se o altar do sacrifício. Este esquema guiou a
construção, pelo rei-profeta Salomão, do Templo de Jerusalém, completado em 966
a.C.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjUmCufoYq3MH4ZN4txU35mTESrloUNrB8SmPFZap7wZLMgs9pwVUVXtXhEdAlJYz67RLVr3_fpIO_c61Q9fwj8LH5Bd2qecuI9QixHGrr3CxkqC6bfTWOySyxAWW3KB3iZT8SVCRK86OkA/s320/c1.jpg)
Foto 1
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Durante as perseguições romanas,
os primeiros cristãos foram constrangidos a se congregarem em casas ou nas
catacumbas. Quando obtiveram a liberdade em 313, com o edito de Milão, do
Imperador Constantino, eles escolheram para suas igrejas os altos, ricos e
imponentes edifícios chamados basílicas. Eram as construções mais próximas do
Templo ideal. Possuíam cinco naves e uma abside reservada para os magistrados,
a qual apresentava o chão elevado. Os cristãos acrescentaram um transepto para
que a planta do edifício formasse uma cruz. No cruzamento dos braços da Cruz
instalaram o altar. Em Roma, podem-se visitar algumas das mais famosas dessas
basílicas, como a de São Paulo fora dos Muros, São João de Latrão e Santa Maria
Maggiore. [foto 1]
![]()
2: Igreja Na. Sra. da Conceição, Ouro Preto
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Essas basílicas cristianizadas
constituíram o ponto de partida do estilo românico. Neste, o teto plano foi
substituído pelos arcos de meio ponto que nos remetem à abóbada celeste. Surgiu
depois o estilo gótico, com a ogiva que acena para alturas infinitas. Ele é
hierático, sacral e solene; lógico, matizado e requintado; um resumo da ordem
do Universo.
O estilo barroco deu ênfase ao
movimento, às cores e à estatuária, manifestando aos fiéis a proximidade do
mundo sobrenatural com o terreno. Luminoso, cálido e acolhedor, contrapôs-se à
visão do protestantismo: ressequida, hirsuta, cinzenta e utilitária. Podemos
apreciá-lo em inúmeras igrejas coloniais brasileiras. [foto 2]
PLANTA DE SANTA MARIA MAGGIORE
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhd_JORH_xygWUDu5xmEeaN9E11gaViHvShUYuQ5xg2lfO23y7628w0uy61thB_tS61tcn2uwhVO_fAVcmzbV4mxIu0AlALvqI-VOknTGhFx3FnpsxLXwMktBQkqkr2Xr0sAQagHolpQpfe/s320/c3.jpg)
O século XIX misturou os estilos, e até
viu renascer o gótico. A variedade foi pasmosa, mas o espírito e o ambiente das
igrejas católicas continuou sempre marcado pelo recolhimento, a sacralidade e a
unção sobrenatural, sinais da aprovação divina. Esta continuidade, explica o
autor, deve-se a que todos eles respeitaram os princípios da tradição
arquitetônica católica.
Origens protestantes
das igrejas católicas modernas
Na primeira metade do século XX
apareceram igrejas em estilos modernos, desprovidas desse espírito. Como foi
isso possível?
O arquiteto americano mostra que o
protestantismo, estéril por natureza, foi incapaz de gerar um estilo
arquitetônico próprio. Seus heresiarcas fundadores preferiram galpões sem
graça. Porém, os pastores heréticos conservaram antigas igrejas católicas
usurpadas, para se darem ares de credibilidade. É a razão pela qual, no Brasil,
eles construíram alguns templos de inspiração neogótica.
Até que, em meados do século XIX, um
movimento interno no protestantismo reivindicou prédios mais consentâneos com o
seu espírito. Esses templos foram construídos focalizando leitura e reunião, e
não o sacrifício do altar. Eles imitam anfiteatros e auditórios. Surgiu assim
uma arquitetura “deliberadamente não-eclesiástica, sem altar, sem tabernáculo e
sem presbitério” (T, 99).
Tendência análoga processava-se no modernismo católico. “Após a II
Guerra Mundial, os católicos começaram a experimentar novas formas e
configurações. [...] Algumas destas experiências foram inspiradas pelo
movimento liturgicista católico, e dirigidas por líderes da arte e da
arquitetura modernista [...]. A estatuária foi evitada, a estrutura de basílica
foi descartada e o sagrado não foi mais diferenciado do profano. Utilizando
linhas retas e geometrias abstratas, arquitetos como Rudolph Schwartz e
Dominikus Bohm criaram 'espaços de culto' frios e secos muito antes que estas
experiências atingissem o seu auge nas décadas que seguiram o Concílio Vaticano
II” (T, 100-101). Nessas “experiências”, a piedade e a unção sobrenatural
desapareceram.
Le Corbusier cria
igrejas-máquina, ou de pesadelo
O arquiteto suíço Le Corbusier criou dois exemplos típicos da nova
arquitetura em sintonia com a nova teologia. “Sua Notre Dame du Haut
(1950-1954) [foto 3] em Ronchamp, França, é talvez o epítome
de uma igreja desenhada como uma escultura abstrata.
O mosteiro dominicano de La Tourette
(1951) [foto 4], [...] com seus espaços áridos e opressivos, foi um
fracasso monumental” (T, 101-102).(3) Le Corbusier sustentava que a casa é uma
“máquina para morar”.
Portanto, máquina, e não a figura humana, seria o paradigma para a
arquitetura. Este critério insano “foi aplicado na arquitetura eclesiástica
católica dos anos 60, enquanto que a Igreja, desorientada como foi pelo novo
movimento litúrgico, sucumbiu à idéia de que a arquitetura da nova igreja
deveria explorar os materiais e os métodos modernos.
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Então, a maioria das obras desta época
foram efetuadas com aço, vidro e concreto, desenhadas como grosseiras massas,
obedecendo à forma de conchas, navios, arcas e outros temas náuticos;
ziggurats, naves espaciais, colméias, toldos de índio, artefatos para pouso
lunar, e vários tipos de origami” (T, 102).(4)
Entre esses templos revolucionários,
Dr. Rose cita a catedral do Rio de Janeiro. [foto 5] Igreja
cônica, algo sem precedentes no catolicismo, lembra ela os templos babilônicos,
dos quais o maior foi a Torre de Babel (T, 100).
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O autor alude também à catedral de Brasília — que compara a uma torre
para esfriar água — e à de Maringá, cuja forma cônica reporta-se ao satélite
soviético Sputnik, lançado em 1957. [foto 6]
Protótipos para o
século XXI causam horror
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O desconcerto e o mal-estar cresciam. Mas o pior estava por vir.
No ano 2000, segundo o arquiteto americano, três projetos visaram marcar
a arquitetura do novo milênio. O primeiro foi a Igreja do Jubileu 2000, [foto
7] na paróquia romana em Tor Tre Teste, construída pelo arquiteto
Richard Meier. Dela “se diz que foi concebida pela diocese de Roma como um
protótipo para o III Milênio”. Reúne uma “série de paredes de concreto
retilíneas e curvilíneas recheadas com vidro, todas num plano horizontal, como
se o prédio pudesse ser arrancado qualquer dia e transportado a alguma outra
superfície” (T, 104). Para os críticos, evoca mais a Opera de Sydney ou uma
sala protestante perfeitamente puritana.
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O segundo foi a catedral de Nossa Senhora, de Los Angeles, EUA. [fotos
8 e 9] Teve-se em vista uma catedral que “com o seu aspecto
grosseiramente volumoso, contrastes agudos, estrutura assimétrica desprovida de
ângulos retos, rompesse deliberadamente com a continuidade histórica de dois
milênios de arquitetura católica para as igrejas. Mas paga tributo aos últimos
cinqüenta anos de estruturas para escritório, banais e sem inspiração, que têm
poluído a paisagem do centro de Los Angeles e da maioria das outras cidades
americanas” (T, 105).
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Após descrever a divergência existente nas origens das duas tendências,
o autor desce aos pormenores das oposições.
Notre Dame de Paris, arquétipo de
catedral católica
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A arquitetura eclesiástica católica bem sucedida é uma corporificação
material das doutrinas da fé.
Dr. Rose exemplifica isso com a catedral Notre Dame de Paris. Ela é a
jóia-da-coroa da Cidade Luz, o verdadeiro epicentro, a alma da capital
francesa. Solene e maternal, ela irradia sua influência a partir da Île de la
Cité, como uma grande dama a partir do palácio, no centro do seu feudo. Ela é a
representação do Cristianismo na sua totalidade: desde o império universal de
Nosso Senhor Jesus Cristo até os sofrimentos dos precitos no inferno. Nela, o
peregrino percebe a luta entre o bem e o mal, entre o sagrado e o profano,
entre o eterno e o passageiro. [foto 10]
Notre Dame, ele insiste, é arte no sentido mais nobre do termo, é
arquitetura da mais alta classe, um “lugar sagrado” que espelha as realidades
eternas. Ela é, antes de tudo, a casa onde Deus habita na Terra.
Visibilidade,
hierarquia e simbolismo da igreja
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Para os construtores de igrejas, diz Dr. Rose, as palavras de Cristo são
normativas. E o Divino Mestre ensinou no Sermão das Bem-aventuranças: “Não pode
se esconder uma cidade que está situada sobre um monte. Nem os que acendem uma
luzerna a metem debaixo do alqueire, mas põem-na sobre o candeeiro, a fim de
que ela dê luz a todos que estão na casa” (Mt 5, 14-15). Por isso, a igreja não
pode ficar dissimulada ou escondida. A igreja tem que sobressair no panorama.
Esse destaque deve ser audível também. Os sinos lembram a presença de Nosso
Senhor na Terra, convocam à oração, marcam os acontecimentos transcendentais da
vida, espantam os demônios. [foto 11]
Porque é sagrada, a igreja tem uma superioridade natural sobre os
prédios profanos que a circundam. O bom encaixe estético e hierárquico foi bem
alcançado com uma transição harmônica. Onde possível, uma praça ou um largo,
que pertencem à esfera temporal, faz o primeiro espaço de transição. Logo vem o
átrio, pátio aberto que lembra o átrio do Templo de Salomão, e que pertence à
igreja.
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A fachada é o rosto da igreja. Ela evangeliza, ensina, catequiza. Na
Idade Média, bastava ao catequista explicar o significado das inúmeras estátuas
e cenas entalhadas na pedra, para dar aulas perfeitas sobre as verdades
fundamentais da fé, as virtudes e os vícios opostos, a História Sagrada, a
ordem do Universo, a hierarquia das ciências, etc.
No coração da fachada de Notre Dame encontra-se a rosácea. Ela forma a
coroa da Santíssima Virgem. A rosa é emblema de Nossa Senhora. Na Idade Média,
quase todas as catedrais foram dedicadas à Mãe de Deus. [foto 12]
A rosácea é denominada “olho de Deus”, porque antecipa a visão
beatífica. Representa também a perfeição, o equilíbrio e a harmonia da alma
purificada, que se prepara para ingressar no Reino Celeste eternamente.
A nave, símbolo da
Arca da Salvação e da maternidade da Igreja
O nártex (vestíbulo sob o coro) é o primeiro espaço sagrado da casa de
Deus. Também é conhecido como galilé, porque dali parte a procissão que, no
início da Missa, dirige-se até o altar, simbolizando a jornada de Cristo desde
a Galiléia até Jerusalém, rumo ao sacrifício do Calvário. No nártex, a água
benta lembra o batismo, a necessidade do perdão dos pecados, e tem efeito
exorcístico sobre o demônio e as tentações.
A nave encarna a “Arca de Salvação”. A Igreja, Ela própria, é essa arca,
a Barca de Pedro. Simboliza também o seio materno, pois a Igreja gera as almas
para o Céu.
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Ela é ainda imagem do Corpo Místico de Cristo posto a serviço de sua
cabeça: Deus Nosso Senhor. Um famoso diagrama coloca o Crucificado sobre a
planta de uma igreja típica. Sua divina cabeça repousa no presbitério, os
braços no transepto, o corpo e as pernas na nave. As colunas da nave
representam os Apóstolos, e as colunas do cruzeiro simbolizam os quatro
Evangelhos.
Os genuflexórios servem para a posição corporal essencial do culto: a
genuflexão, que é própria da adoração, necessária para se obter o perdão dos
pecados.
São Carlos Borromeo recomendou que os confessionários sejam situados nas
partes laterais da igreja; que o penitente nele esteja ajoelhado, separado do
confessor por uma tela, numa posição onde possa ver o presbitério. [foto
13]
O púlpito, de preferência hexagonal, encontra-se no lado norte da
igreja, à direita de quem entra. Como no hemisfério setentrional o norte é o
lado menos luminoso, simboliza as trevas, a barbárie e o erro, que os sermões
devem dissipar, ou devem ser eliminados pela pregação destemida das verdades
evangélicas. Também no lado norte deve situar-se a pia batismal, pois as
crianças que ali chegam ainda não pertencem à Igreja. As igrejas devem apontar
para o Oriente, pois de lá veio o Salvador, e por ali chegará em sua segunda
vinda, em pompa e majestade.
A indispensável
posição monárquica do presbitério
A arca de salvação está ordenada em função do presbitério, local do altar
do sacrifício e do tabernáculo, que está dirigido para o Oriente. É o
equivalente cristão ao Santo dos Santos dos hebreus, no deserto e no Templo de
Salomão.
O nível do presbitério é mais alto que o da nave. A ele se destinam os
mais ricos materiais e a arte mais elaborada. Desta forma, lembra-se ao fiel
que a Igreja é hierárquica, composta de membros diferentes, sendo Nosso Senhor
a cabeça, representado pelo Papa, bispos e sacerdotes, e com os religiosos e
leigos cumprindo suas funções na Igreja militante.
O arquiteto Ralph Adams Cram explicou que “cada linha, cada massa, cada
detalhe deve ser concebido e disposto para exaltar o altar, conduzir a ele” (U,
84). Outro elemento indispensável no presbitério é um Crucifixo, que o Abade
Suger chamava de “estandarte da salvação”. [foto 14]
As funções do coro e
dos vitrais nas igrejas
O Concílio de Trento dispôs que o coro e os instrumentos ficassem na
galeria acima do nártex. Não é desejável que músicos e coristas sejam visíveis.
Eles devem ir à igreja como fiéis, e não como artistas. As “vozes
desencarnadas” do coro evocam o canto dos anjos, proveniente de cima para baixo
e ressoando de modo belo nas abóbadas da igreja.
Os vitrais ocupam um lugar especial na arquitetura eclesiástica. O Abade
Suger, na Idade Média, chamou-os "janelas radiantes que iluminam as mentes
dos homens de maneira que, por meio da luz, possam chegar à percepção da luz
divina”. Ele dizia serem “sermões que tocavam o coração, através dos olhos, ao
invés de entrar pelo ouvido” (U, 77). Toda outra forma artística no recinto
sagrado, como pintura e escultura, está concebida para ser vista sob uma luz
filtrada. O artista deve pintar com a luz de Deus, explica o Dr. Rose. Quando o
sol se põe, através dos vitrais a luz projeta figuras multicolores no interior
da igreja, criando uma sensação do além, uma faísca da beleza do Céu.
O contraste do
modernismo: igrejas “sem-rosto” 15: Cristo Rei, Abindgon, Virgínia
A seguir, o autor fornece exemplos da revolução da arquitetura
eclesiástica moderna em seu país, os EUA, e que apresenta casos análogos no
Brasil.
A igreja moderna não pode ser localizada a olho nu nem pelo som dos
sinos. Uma sinalização Church Parking (estacionamento da igreja) avisa que a
estrutura ao lado é uma “casa de culto”, e o mapa confirma que é uma moderna
igreja católica.
A fachada dessa igreja é sem-rosto. [foto 15] Não
evangeliza, não ensina, não catequiza. Até se confunde com outros prédios da
rua. A fachada é sem-rosto porque concebida para ser só uma “pele da ação
litúrgica”, no linguajar da nova arquitetura. É uma estética agnóstica, que não
reflete nem a tradição católica nem a História.
16: Santa Edwiges, Cracóvia
16: Santa Edwiges, Cracóvia
Arquitetos e consultores de projeto litúrgico — LDC, sigla do inglês Liturgical design consultant — de igrejas modernas evitam os símbolos católicos como o Crucifixo ou a cruz latina. No máximo, quando colocam a cruz, ela aparecerá como um signo a ser decifrado –– por exemplo, na estrutura metálica que sustenta a vidraça exterior. [foto 16]
Espaços interiores mudam, segundo o capricho da moda. 17: São Leonardo, Ohio
A arquitetura moderna apresenta portas semelhantes às de um prédio
público ou supermercado [foto 17]. Sandra Schweitzer, LDC na
renovação da catedral dos SS. Pedro e Paulo, em Indianápolis, EUA, explicou:
“Substituímos as portas pesadas, grossas, de metal, pelas portas de vidro que
dizem 'vocês são sempre bem-vindos aqui’” (U, 101). Essas portas inculcam a
idéia de que o prédio não é sagrado, observa Rose.
18: São João Vianney, Ohio
18: São João Vianney, Ohio
Após essas portas, a igreja moderna inclui um espaço vasto e vazio. É um
local de reunião após a Missa, bem iluminado e despojado. Se há algum objeto de
devoção, situa-se num canto, junto a um bebedouro, às toaletes ou a um telefone
público. Nesse espaço pode encontrar-se uma fonte batismal estilo
banheira. [foto 18]
Nos anos 80, o progressismo exaltou o batismo de imersão. A forma
preferida foi a sauna, conhecida pelo nome comercial Jacuzzi. Na verdade, como
escreveu a consultora de desenho litúrgico Christine Reinhard, a pia batismal
“desde o Vaticano II, tem girado um pouco por toda a igreja. De início, os
litúrgicos julgavam fundamental que ela ficasse bem visível. Agora, o consenso
é que a visibilidade é o menos importante...” (U, 105). Um muda-muda caprichoso
e errático, próprio de uma religiosidade em contínua evolução rumo ao ignoto.
A partir dos anos 90, tornou-se moda incluir obras de arte temporárias
de “símbolos universalmente reconhecíveis”, como o pagão e gnóstico yin-yang,
quadros de “modelos contemporâneos”, de “testemunhas do batismo”, projeções ou
encenações. Os personagens e os temas vão mudando sobre um fundo laicizante ou
esquerdizante: Martin Luther King ou o teólogo contestatário Karl Rahner, por
exemplo.
Interior decapitado, sem ponto monárquico.
Michael Rose descreve o ambiente típico de uma igreja americana moderna.
As cadeiras circundam o altar. Não há genuflexórios, e as poltronas convidam a
cruzar as pernas, passar o braço por cima do espaldar do vizinho ou pôr os pés
no respaldo da frente. As posturas informais calham bem com a atmosfera criada
pela nova arquitetura. Não há espírito de oração nem reverência. Não há arte
sacra. Há burburinho e bate-papo entre os fiéis. Uns procuram amigos e parentes
com o olhar, e trocam “tchauzinhos”. Não há ponto monárquico. Não raro o altar
está baixo demais para ser visível. O sacerdote, quando senta, desaparece. Se
alguém está lendo, só se fica sabendo por causa das caixas de som.
A igreja moderna não é hierárquica: tudo é igual. Não há lugar sagrado.
O presbitério não se distingue da nave. Esta foi decapitada. É mais um local de
reunião. A igreja de Cristo Rei, em Las Vegas, é reconfigurada de tempos em
tempos. Por vezes o altar está no centro, outras vezes junto a uma das paredes.
As cadeiras, ora em torno do altar, ora dispostas em asas. Os paroquianos não
sabem o que os espera a cada domingo.
O atril ou ambão (pequena tribuna em forma de plano inclinado, onde se
colocam livros ou pautas para serem lidos) está em alguma parte perto da mesa.
Cantores e músicos se exibem num local proeminente, em que possam aparecer
destacadamente. Coro, pianista, guitarrista, violinista, baterista ficam
olhando para a assembléia. O chamado “ministério da música” é mais perceptível
que o do altar. E como o agradável e o comum são objetivos da nova arquitetura,
a música também tem que ser prazenteira e popular. Os cânticos dos fiéis são
abafados pelo sistema de som.
19. Santuario de Marylake,Canada.
19. Santuario de Marylake,Canada.
O altar não faz referência ao sacrifício, assemelha-se a uma mesa de jantar. Não há iconografia sacrifical, e poucas vezes um Crucifixo destacado. Na hora da comunhão, muitos leigos distribuem as hóstias; e se colocam em tantos lugares, que é difícil escolher de qual deles se aproximar.
Quando a Missa termina, os fiéis saem conversando, rindo. Em instantes o
“espaço de culto” fica abandonado, folhetos cobrem as cadeiras e o chão fica
como após o término de partida de beisebol. Domina a sensação de vazio.
E o Santíssimo Sacramento? Nas últimas décadas, a tendência foi levá-lo
para uma sala à parte. O tabernáculo do novo estilo pode assemelhar-se a uma
gaiola de passarinhos ou até a um totem, como no convento agostiniano de Nossa
Senhora das Graças, em Ontário, Canadá [foto 19]. Outros
são cilíndricos ou cônicos, conhecidos como “torres do sacramento”. O ambiente
em torno nada tem de sacral, acolhedor, nobre ou elevado, e não convida à
adoração.
Igrejas deliberadamente não-igrejas
O que há na cabeça dos desenhistas desses “espaços de culto”? Rose
reproduz axiomas de um maître-à-penser da arquitetura eclesiástica moderna,
Edward Sövik. Este arquiteto luterano de Minnesota desenhou mais de 400
projetos para igrejas católicas e protestantes. Ele forjou o conceito de
não-igreja, ou casa do povo: uma estrutura que poderia não ser uma igreja e
onde o povo pode ter seu culto. Portanto, um recinto o mais descaracterizado
possível, sem respeitabilidade nem beleza.
Para Sövik, “se o local é reservado para a liturgia, logo vai ser
interpretado como ‘casa de Deus’, vai ser visto como um lugar santo, enquanto
outros locais serão vistos como profanos ou seculares” (U, 157). A santidade e
a sacralidade da 'casa de Deus' é o mal a ser evitado!
O padre católico Richard Vosko [foto 20], LDC da nova
catedral de Los Angeles, EUA, explicou à imprensa que não quis criar um lugar
sagrado, mas uma “forma arquitetônica que possa acolher formas rituais de uma
religião, seja ela judaica, católica, muçulmana, ou não seja nada” (U, 170).
Portanto, válida para qualquer crença ou erro: para falsos deuses!
“Móveis e instrumentos simbólicos, pregou ainda Sövik, devem ser
portáteis, variados, para serem trocados, mudados de lugar ou abandonados, na
medida que o desejarem os paroquianos do futuro” (U, 157). Tudo deve ser
perecível, banal, incapaz de transmitir tradições, tidas como um mal a evitar.
Vias para uma contra-revolução na arquitetura católica![](https://lh3.googleusercontent.com/blogger_img_proxy/AEn0k_u5bRYpJaK4W9Zqkmuzsm14VL75W-4khb9RZw2zNsWd35S_szrrGJ0n5ptg2Ll5bR8xrdJmbnmjDzQ-6yEFygjr1l6POjiHPeQUSSJpZCLoLHsr-AVcG2EpE9yCydnXoB46lWatebFjGglGPsUrW95NVn6jGSsMjKydVRVlk78x-YXt-A=s0-d)
Dr. Rose não fica na crítica. Ele propõe normas de ação positivas
aplicadas em paróquias dos EUA. Lá, o desprezo pelas cafajestices
arquitetônicas alimentou a tendência para que as igrejas voltem a ser como
eram. Rose refere o caso da igreja de São Patrício em Forest City, Missouri.
Ela foi modernizada por dentro com painéis de compensado. A Via Sacra, o velho
altar, imagens e objetos sagrados desapareceram. Em 1999, o pároco, Pe. Joseph
Hughes, iniciou a restauração. Objetos como a lâmpada do Santíssimo, o
tabernáculo e os candelabros, piedosamente guardados pelos fiéis, foram
reaproveitados.
Onde o altar principal foi poupado, diz Rose, deve-se reinstalar o
Santíssimo Sacramento no tabernáculo, removendo as modernidades acrescentadas,
elaboradas em geral com materiais de segunda classe e já caducos. Restaurado o
ponto monárquico, não é difícil devolver a hierarquia, a sacralidade e a beleza
à igreja.
No lugar em que os altares foram demolidos, a restauração poderá ser uma
oportunidade para se desenhar e construir algo ainda mais rico e mais belo do
que o original, segundo o autor. Assim ocorreu na catedral São Paulo, de
Worcester, e em várias igrejas históricas na diocese de Victoria, Texas.
Nas igrejas novas, como a arquitetura moderna montou estruturas tipo
“use e jogue fora”, Rose propõe aplicar esse princípio e jogar fora os
acréscimos modernosos. A seguir, deve-se dar à igreja um senso hierárquico,
definindo um presbitério, uma nave, elevando um altar-mor, corrigindo as
assimetrias, expurgando os ares de auditório ou teatro.
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No tocante às igrejas tão ousadas que nem adianta reformar, Rose lembra
que foram feitas para durar pouco e servir para outras funções. Então, que se
construam no mesmo lugar outras igrejas, fiéis à estética antiga.
Michael Rose menciona novos grupos de arquitetos formados em
prestigiosas universidades, e que desenvolvem projetos inspirados nas
obras-primas dos séculos de glória da Igreja e de acordo com as necessidades do
século XXI. [fotos 21 e 22]
Mas isso não é tudo.
Formação da opinião católica, inclusive do clero.Vitral de Notre Dame de Paris.
Para dar estabilidade à recuperação do patrimônio arquitetônico
católico, é necessária uma campanha de formação do clero e dos fiéis. Como no
caso do tratamento de alcoólatras, o primeiro passo é que eles admitam que
andaram mal. Ou seja, admitam serem feias e antifuncionais, banais e incapazes
de inspirar a religião, as igrejas novas pós-Vaticano II. O segundo passo
consiste em identificar a causa do problema: as agendas teológicas que desejam
mudar (desfigurar!) o rosto do catolicismo.
O terceiro passo é “remover o câncer”, ou seja, os LDCs devem deixar de
interferir na hora de construir ou renovar as igrejas. Quarto: contratar
arquitetos que tornem manifesta a fé no prédio da “casa de Deus”. Quinto:
bispos, sacerdotes e leigos devem engajar-se na preservação e enriquecimento
das igrejas com os melhores materiais razoavelmente disponíveis. Por fim:
educar seminaristas, clérigos e leigos sobre o significado da igreja e sua
íntima relação com a fé católica.
Dr. Rose conclui que os católicos do século XXI podem corrigir a
calamitosa situação atual e impulsionar um renascimento da arquitetura sagrada,
recuperar os tesouros do passado no seu esplendor original e erigir novas
igrejas, belas, duráveis, verdadeiros vasos de significado para as gerações
vindouras de fiéis.
O autor restringe-se a seu campo de arquiteto e faz um balanço
substancioso de quase um século de Revolução Cultural na arquitetura religiosa.
Ele não aborda diretamente a crise que grassa na Igreja Católica. Neste
contexto, a restauração para a qual ele acena merece encorajamento,
compreendendo-se porém que, sem a penitência e sincera conversão pedida por
Nossa Senhora em Fátima, não se recuperará a plenitude de sanidade e glória na
Igreja.
Sem essa conversão profunda, o sadio movimento — auspiciado pelo
talentoso arquiteto Michael Rose — poderá impor um retrocesso parcial à
Revolução Cultural religiosa, mas à la longue poderá ser tragado pela voragem
progressista. Pois o foco causador da revolução estética é o processo de
autodemolição, denunciado por Paulo VI, em curso na Igreja. Sem que este cesse,
nada de durável poderá realizar-se. Tal autodemolição seria fatal, caso não
existisse a promessa infalível de Nosso Senhor, de que as portas do inferno
jamais prevalecerão contra a Igreja.
E-mail do
autor: luisdufaur@catolicismo.com.br
_____________
Notas:
1. Michael S. Rose, Ugly as Sin — Why they changed
our churches from sacred places to meeting spaces and how we can change them
back again, Sophia Institute Press, Manchester, NH, 2001, 239 pp. (Citado no texto com a letra U).
2. Michael S. Rose, In Tiers of Glory: the Organic Development of
Catholic Church Architecture Through the Ages, Mesa Folio Editions, 2004, 135
pp. (Citado com a letra T).
3. Nesse mosteiro acabou se suicidando o dominicano frei Tito de
Alencar, religioso envolvido com a guerrilha no Brasil.
4. Origami: arte milenar japonesa, que consiste em dobrar papel a fim de
formar objetos sem o auxílio de tesoura ou cola.
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