Arte Cristã e Arte Sacra
Artigo do
Pe. Dinarte Passos, C. M., que foi professor de Arte Sacra no Seminário Maior
de Marina (Minas Gerais). Este artigo foi publicado na Revista Eclesiática
Brasileira de 2 de junho de 1946.
Atualizado
por Thiago Santos de Moraes / Apologética Católica
A idéia,
sabemos, é quase como a alma da obra artística. Esta idéia, ou seja o ideal,
poderá tomar-se entretanto das coisas materiais ou de utilidade, não
ultrapassando as formas da beleza física: é o materialismo na Arte - temos
disto um exemplo na arquitetura grega onde predomina a idéia material de uma
simples beleza sensível; ou poderá a idéia expressar então algo acima do mundo
sensível, material; é o espiritualismo na Arte. Resulta ele do predomínio da
verdade moral ou dogmática na idéia do artista. Modelo do espiritualismo nos
oferece a sublime arquitetura ogival, cujo conjunto revela para logo a origem
espiritual de suas formas, onde a massa é subjugada pela idéia.
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(Arquitetura
ogival)
Este domínio
da massa pela idéia, da matéria, digamos, pela alma, só se afirma crescente e
absoluto ao contato dos ideais divinos, ao sopro do ideal cristão (1).
Existe pois
uma Arte que se inspira de espiritualismo para traduzir nas almas as formas
impalpáveis de um ideal ultraterreno. É a Arte Cristã, mais do que qualquer
outra, verdadeira Bela Arte, não tanto pela perfeição da forma, mas
melhormente, pela elevação superior de seus nobres ideais.
A verdade
revelada da nossa Santa Religião veio elevar sem dúvida a incomensuráveis
alturas o caudal dos conhecimentos humanos. E infundiu igualmente, no coração
do homem, toda a série imaginável dos mais fundos e delicados sentimentos que
este novo Cristo - o homem cristão - possa semear e colher em seu peito. Ora,
elevados de nível os conhecimentos e os afetos do homem, entende-se de pronto a
que grau subiria também o ideal artístico em todas as suas manifestações.
"O contrário igualmente, sentencia Naval, a negação do dogma católico, e
ainda qualquer atentado contra ele, ou mesmo a ignorância das verdades
religiosas e a falta de piedade cristã, devem ter sido, e são realmente fatais
para a Arte, porque lhe roubam inspiração e sentimento." (2)
Como o Verbo
divino sublimou a natureza humana em Cristo, a revelação do Verbo veio
divinizar a Arte na Igreja. Quem senão o ideal cristão inspirou, dando beleza e
vida, o pincel de um Fra Angélico, o cinzel de um Miguel Ângelo? Quem senão
este ideal sublime transformou em Museus de Artes que revelam Deus, a própria
casa do Senhor? Que dizer destas soberbas catedrais góticas que o gênio e o
ideal cristão cantaram como poemas de pedra, onde a riqueza dos materiais
rivaliza com a sublimidade e a amplidão de idéias, com o acabado perfeito do
trabalho? Ora são linhas rígidas, severas, encarnando a solidez de nossos
dogmas; ora são suaves, ondulantes e variadas, traduzindo os doces sentimentos
da alma, inclinando-se mesmo recurvas ou de mãos postas para o alto na atitude
divina da oração. (3)
Um só dos
estatutos da Escola de Sena (em 1355) explica suficientemente as maravilhas
produzidas pelo ideal cristão: "Nossa vocação e destino é, pela graça de
Deus, publicar as grandezas da fé nas almas que não sabem ler de outro
modo."
O Ideal
Cristão
De uma dupla
inspiração nasce a Arte Cristã: a humana e a divina. Esta, porém, é por sua vez
igualmente dupla: a possessão da alma do artista pela graça, e a iluminação de
sua inteligência pela verdade divina. A última é o que chamamos, em Arte, a
idéia ou ideal cristão. (4)
Qual é ele?
Respondam por nós aqueles que já o compreenderam. Miguel Ângelo diz que a Arte
é sagrada por si mesma. E tem razão, pois "a Arte, medita Monsabré, é, na
sua concepção mais alta e mais pura, o culto e a manifestação do belo nas obras
humanas. E para dar a estas obras o selo da perfeição, continua o autor do
'Moisés', a alma despega as asas, elevando-se ao céu donde ela desceu. Não se
demora na beleza que seduz os olhos, tão fragil quanto enganadora; mas busca,
no seu vôo sublime, atingir o princípio do Belo Universal."
Por isto,
falou o Pe. Gillet, que "a Arte é a ordem dada à matéria para revelar a
Beleza e a Verdade." E teve razão Kant, ao afirmar, numa nobre definição,
que o "belo é o reflexo do infinito sobre o finito, é Deus
entrevisto." (5)
Ora, o
cristianismo tem esta virtude, dar-nos ainda na terra, numa síntese profunda
que conceitos humanos não exprimem, o conhecimento e a posse da própria Beleza:
Deus!
É, portanto,
o ideal cristão, exprimir Deus, nas obras de Arte.
Deus. - Deus
é, pois, o objeto supremo da Arte, porque é o belo absoluto. Não é, porém, seu
objeto proporcionado, porquanto, sem uma forma sensível, escapa aos esforços do
artista. Importa descer então, para encontrá-lo como objeto proporcionado da
Arte, a suas manifestações sensíveis.
Destas é a
primeira o Homem, sua imagem e semelhança; depois a natureza, que traz, toda
ela, os vestígios de Deus. O homem é, pois, por excelência, o objeto da Arte,
não absoluto, mas proporcionado.
O maior
serviço prestado portanto à Arte seria fornecer-lhe, num só ente, o ideal
absoluto, sob forma sensível.
Ora, o
mistério da Encarnação apresenta-lhe este modelo. Jesus Cristo é Deus - objeto
supremo da Arte: a própria beleza; Jesus Cristo é Homem - objeto proporcionado
da Arte: a beleza ideal, tornada sensível. É o ideal encarnado.
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(Anunciação, Fran Angelico, 1432)
O Dogma da
Encarnação. - O dogma da Encarnação traz, assim, à Arte:
a) Um ideal
incomparável, Nosso Senhor Jesus Cristo.
b) Uma regra
fundamental, pois a Encarnação é um modelo perfeito da união entre os
espiritual e o corporal, o invisível e o visível, e de toda subordinação do
inferior ao superior. Tais devem ser as relações entre a carne e o espírito, os
sentidos e a razão, e na Arte, entre seus dois elementos: o visível e o
invisível, a forma sensível e o ideal. (6)
É de
confundir-nos este pensamento de um pagão: "Ó meu caro Sócrates, a
verdadeira vida é o espetáculo da Beleza Eterna... Que pensar de um mortal, a
quem fosse dado contemplar a beleza pura, simples, sem misturas, não vestida de
carne e cor humanas e de todas as vaidades que perecem, mas sim a própria
Beleza Divina!" (7)
As asas da
fé elevam-nos mais alto que a simples inteligência a Platão. A visão beatífica
sonhada pelo Filósofo não é da terra, mas sim do céu, onde fortificado
finalmente o nosso olhar pela luz da glória poderá entrever o brilhar da
Divindade. Entretanto, a beleza é o atributo essencial do Verbo, pois que na feliz
expressão do Apóstolo, é Ele o "Esplendor do Pai" (Heb 1, 3). Somos
mais felizes que Platão: na plenitude dos tempos, "O Verbo se fez carne e
habitou entre nós" "Et vidimus gloriam ejus" (Jo 1, 14). E vimos
sua beleza transparecer e rebrilhar na forma humana, a mais perfeita que se
imaginou.
É o ideal
realizado. Postado no ponto culminante da História, para onde convergem as duas
vertentes da humanidade, Jesus Cristo irradia, como centro indefectível de
beleza física, intelectual e moral: beleza divina e humana! E todas as Belas
Artes - Arquitetura, Escultura, Pintura, Música, Poesia - a Ele dobram-se
reverentes, ispirando-se no encanto desta aparição radiosa, e a celebram
honradas cada uma em sua linguagem própria e expressiva.
Arte Cristã
Dizendo
"Arte Cristã", não nos referimos à Arte de igreja, ou aos seus
objetos e regras particulares.
Arte Cristã
é a Arte que tem em si o sinal do Cristianismo. É pelo sujeito, portanto, em
que se encontra, é pelo espírito que a anima, que a Arte se pode dizer cristã.
A Arte cristã é, na feliz expressão de J. Maritain, "a Arte da humanidade
resgatada. Ela está plantada na alma do cristão, à margem das águas vivas, sob
o céu das virtudes teologais, ante o sopro dos sete dons do Espírito Santo. E
por isto é natural que produza frutos cristãos." (8) E o mais interessante
é que tudo lhe pertence, seja profano ou sagrado: pode tanto brilhar numa
paisagem, num romance, num busto, num filme, como nos vitrais ou nas
estatuárias das igrejas.
Por isto,
tanto mais tem ela de arte e de beleza, quanto tem de cristã. Sim, porque a
religião foi o apoio das Artes no seu berço e o é no seu desenvolvimento
através dos séculos. "A Arte, diz Luís Hourticq, é, na maioria dos casos,
uma das formas da atividade religiosa. É, no homem, um modo de confessar sua fé
o plasmar a matéria, emprestando-lhe formas harmoniosas. A missão das artes é
nos tornar Deus presente, dando uma aparência sensível aos objetos sucessivos
da nossa crença. Uma história da Arte é uma história das Religiões." (9)
Não tememos
por isto afirmar que a Arte ou é cristã, ou não é uma Arte bela, perfeita. É J.
Maritain quem o prova: "Sempre que a Arte conheceu, egípcia, grega ou
chinesa, certo grau de grandeza e de pureza, já era cristã em esperança, porque
todo resplendor do espiritual é uma promessa e uma figura dos equilíbrios do
Evangelho." (10) Assim, para que surja uma Arte perfeita, o que vale dizer
cristã, não apenas em esperança, mas em posse e de fato, é necessário que
estejam juntas a inspiração humana e a inspiração divina.
Querer
portanto fazer obra cristã importa primeiro em ser cristão, e passar depois na
obra bela o nosso inteiro coração. A Arte não será pois cristã se não trouxer
na sua beleza o reflexo interior da claridade da graça; e o não trará senão
transbordar de um coração por ela possuído. E a beleza da obra só é cristã
quando está Cristo na alma do artista presente pelo amor, e na obra de Arte,
presente pela expressão e o resplendor. É, pois, numa palavra, por uma
intrínseca elevação que a Arte é cristã, elevação, a seu turno, que só se dá
pelo amor.
"A
Arte, terminemos com Fra Angélico, exige muita calma, e para pintar as coisas
de Cristo é preciso viver com Cristo."
Arte Sacra
Arte sacra
não é o mesmo que Arte cristã. Esta, como vimos, é toda Arte de inspiração
cristã, filha de uma alma que vive com sinceridade generosa a vida da graça.
Aquela é a Arte destinada à Igreja, e como tal se denomina sacra, ou seja,
sagrada. Não significa isto que se dispensa a Arte sacra de realizar a beleza.
Pelo contrário, antes de mais nada, é Arte pertencendo ao grupo tanto das belas
como das artes mistas. Sua beleza subordina-se, porém, ao seu destino. Depende,
pois, estritamente, a Arte Sacra da ciência teológica e da liturgia. Uma Arte,
dita sacra, que não realizasse todas as condições requeridas por seu destino,
não seria bela.
Aos
artefatos por ela realizados, denominamos geralmente, objetos de Arte Sacra.
Antes de
tudo, porém, é em seus princípios a Arte Sacra uma ciência. E como tal a
definimos: Ciência que estuda os monumentos, antigos ou modernos, de inspiração
cristã, no intuito de fundamentar naqueles e de expressar nestes, para o
presente e o futuro, a história dos dogmas e a disciplina da Igreja.
A Arte
Sacra, como ciência, procura, numa palavra, descobrir nos antigos monumentos, e
ensina a expressar nos novos os verdadeiros ideais cristãos.
Acham-se
suas leis particulares determinandas nos diversos documentos pontifícios, nas
prescrições litúrgicas, no sentir comum e tradicional da Igreja. O Código de
Direito Canônico, de certo modo, concretizou-as nestas expressões, ao tratar da
construção e reparação das igrejas: "Serventur formae a traditione
christiana receptae et artis sacrae leges" (c. 1164).
1) Que
significa a expressão: "Formas aceitas pela tradição cristã"? Não é
esta forma - da qual importa não se afastar - um modelo, um tipo, nem mesmo um
cânon adotado uma vez por todas. De fato, que há de comum entre uma igreja
basilical e uma românica ou gótica? Entre um cálice antigo e um da Idade Média
ou Renascença? E, entretanto, também aos últimos aceito-os a Igreja.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg_xeaT10Opjz_P_-Pc2iO4VgeQKix_IL1OH-R5CVBLthBsjYMCHFLpIr73EvDgAH6xhl9QJgLb_eNVNR6_iYxU6yViEtsddaAetYiBnC-pXC9L4UblfD81T6_i28XO0YmH96ovjvuCcgeg/s400/c%C3%A1lice.jpg)
(Cálice gótico)
Conclui-se
pois que as "formas" aqui visadas são algo de ideal, um conceito, um
plano geral, dentro das finalidades marcadas e obedecendo a certas prescrições
litúrgicas indispensáveis: não se trata pois de uma forma externa determinada,
nem de certa temática convencional. E sim dos meios a empregar pela liberdade
do artista, tais entretanto que se consiga atingir através dos sentidos a alma
dos fiéis dentro das normas litúrgicas e sob inspiração dos ideais cristãos.
Nisto é que se deve estar de acordo com a tradição. Não se pode pois fixar
exclusivamente sacros um ou vários estilos dos períodos passados, pois um
estilo pertence a uma época e a um povo, ao passo que a Igreja é de todos os
tempos e de todas as gentes. Quando, pois, o Código ou os documentos pontifícios
prescrevem a manutenção da tradição, não falam de formas ou aspectos externos,
mas dos conceitos que se haurem do estudo da tradição.
Forma: - não
é, pois, aspecto exterior, aparência, mas idéia que dá à obra seu caráter.
Tradição: - não é uma coleção de modelos a reproduzir, mas uma linha continuada
de esforços no mesmo sentido, para adaptar a um mesmo ideal e a necessidades
idênticas e diversas, as várias circunstâncias de lugares, tempos e habilidades
artísticas.
2) Quais são
as "Leis da Arte Sacra" a que alude o mesmo cânon 1164? O Código
Canônico impõe tanto neste como no c. 1296 a origação de observá-las o mais
possível. Podemos realmente buscá-las nas prescrições litúrgicas, nas relações
da Arte com o Culto, e, por fim, na tradição, entendida como dissemos.
a) As
Prescrições Litúrgicas. - Evidente deverá a Arte levar em conta, antes de tudo,
as leis formuladas pela Igreja a respeito de tudo que se destina ao culto. Uma
construção, um objeto, fosse qual fosse seu valor artístico, não se poderia
legitimamente admitir se sua matéria e sua forma - isto é, o material e a
concepção da obra -, o tornassem impróprios ao uso a que se destina. Tem a
Igreja realmente o direito de determinar, por prescrições positivas,
seperpostas mesmo às exigências do bom-senso e da necessidade imediata, quais
as condições requeridas para que tal objeto seja anexado ao uso da Liturgia.
Sem essas condições, o objeto litúrgico ou sacro como tal, não existe, e toda a
Arte que encerrasse não poderia substituí-las. Aliás, nem tão numorosas são
elas, e mesmo dentro delas, não pequena é a margem reservada à iniciativa e bom
gosto dos artistas.
Além das
prescrições estritamente litúrgicas, devemos acrescentar ainda quaisquer outras
leis e prescrições visando o uso de objetos de Arte religiosa, mesmo alheios ao
culto público e fora do emprego propriamente litúrgico. Dá-se o caso sobretudo
quando se trata de arquitetura, escultura e pintura.
b) Relações
da Arte com o Culto. - Se se tratasse apenas de Arte cristã ou religiosa, e não
Arte sacra, no sentido estrito, exigir-se-ia do artista somente que bem
apreendesse a verdade cristã que deseja exprimir idealmente, deixando-se-lhe
para o resto inteira liberdade. Quando porém o artista vem concorrer para o
culto público, sujeita-se, pelo fato mesmo, a obedecer como os outros
ministros, e submeter sua obra às exigências impostas por seu destino. Desde
então não mais a Arte senhora absoluta, mas "humilde serva" no dizer
de Pio X e Pio XI.
As relações
da Arte com o Culto reduzem-se pois a este serviço subordinado de colaboração
com a Liturgia para o fim que esta se propõe, isto é, unir as almas a Deus.
Daí, duas principais leis da Arte Sacra podem deduzir-se:
Primeira: O
artista e a obra como tal hão de desaparecer. - Nenhum orgulho humano ou
prurido de originalidade será admitido. Portanto adaptação, discrição,
simplicidade, sinceridade e naturalidade. O artista não somente evitará por em
evidência sua personalidade e seus sentimentos próprios, mas procurará
desempenhar seu papel no conjunto, fazendo concorrer sua obra para o todo a que
esta se destina. seu fim será atingir exatamente o mesmo fim que se propõe a
Liturgia. Daí, a Arte ao serviço do culto deverá caracterizar-se por um cunho
especial de santidade, transformando-se sua obra em verdadeiros veículos da
graça, como os demais elementos da Liturgia.
Segunda:
Como serva da Liturgia deve a Arte sacra ser facilmente inteligível, e de certo
modo universal. - Suas produções artísticas hão de servir ao ensinamento dos
fiéis, à formação cristã do seu espírito e de seus costumes. A este aspecto
refere-se o texto do ritual romano na fórmula da benção das imagens. Toda obra
de Arte sacra deve, pois, instruir e incitar para o bem, cada uma a seu modo,
em seu lugar e segundo sua natureza própria. E este ensinamento há de ser
universal, isto é, apesar das variações dos tempos, lugares e artistas, deverá
sempre e por toda parte desprender e despertar nas almas os mesmos sentimentos
de espiritualidade, hauridos na perene tradição cristã. (11)
Arte Nova e
a Igreja
Tal é, pois,
a importância e a influência das artes nas almas, que a Igreja tem o direito de
velar pelo seu decoro e pureza. Destinada a elevar até Deus os corações, e
fazê-lo baixar de certo modo até o âmago das almas, jamais pode tornar-se uma
pedra de escândalo.
Pio XII na
Constituição Divini Cultus lembra que "os fiéis vão à Igreja, para nela,
como em parte primária, haurirem a piedade por meio da participação ativa na
celebração dos venerandos mistérios da Igreja, e nas preces públicas e solenes.
Importa pois muito que tudo quanto pertence ao ornato da Liturgia, seja
regulado por certas normas e preceitos da Igreja, a fim de que as artes, como é
justo, sirvam realmente ao culto divino como nobilíssimas servas."
A Arte deve,
portanto, para corresponder ao fim que a Igreja dela pretende - aliás ao seu
próprio fim - ser espiritualizada, divinizada, encarnar o espírito da Religião
a que serve.
Ora, o
modernismo que tudo invadiu e quer destruir, pretende paganizar também a Arte
religiosa. Os monumentos antigos, impregnados de cristianismo, e portanto de
espiritual unção, constituem uma condenação perene das aberrações do modernismo
avassalador. Por isto, os seus corifeus gritam com Marinetti: "Queremos
destruir os museus e as bibliotecas. Venham os bons dos incendiários com os
dedos a cheirar a petróleo! Desviai os canais para que inundem os museus."
(12)
Era contra a
Arte nova deste espírito, que Pio XI, em 27 de outubro de 1932, inaugurando a
nova Pinacoteca Vaticana, clamava: "As figuras da Arte moderna são
verdadeiras deformações dos seres naturais..."
As igrejas
são mansões de Deus e casas de oração; tal é o fim que deve ter a Arte e a
suprema razão em que se deve inspirar, se quiser ser sagrada; de outro modo não
será nem sagrada nem racional, como não é racional, nem humana, isto é, digna
do homem, a Arte amoral, pois nega e não respeita a sua própria razão de ser: a
de aperfeiçoar uma natureza essencialmente moral.
(Catedral de Los Angeles - EUA -, um exemplo
de modernismo na arquitetura)
Lembremos,
entretanto, não significa com isto que a Igreja condene ou despreze o
progresso. Ao contrário, a Igreja, escreveu Pio X: "favoreceu sempre o
progresso das artes." Aliás é ele uma conseqüência da sua catolicidade.
Católica, é
de todos os tempos, de todos os lugares e povos; e há de se adaptar necessariamente
às exigências da evolução dos tempos e das gentes. Que outra coisa eram, por
exemplo, as primeiras basílicas romanas senão os palácios dos magistrados?
A Igreja é,
portanto, amiga do progresso, que ela acolhe e fomenta, isto é, do progresso
legítimo e verdadeiro que guarde as regras por ela ditadas. A lei da Igreja é
esta: "serventur formae a traditione christiana receptae, et artis sacrae
leges." (C. 1164)
Seria um
contrassenso? A Igreja, amiga do progresso, ordena se conserve a tradição? Não.
A explicação é de um mestre, Paulo Bayard: "Tradição e progresso vão a
par. O progresso é vida da tradição: a tradição é o progresso numa linha
determinada. Ambos os termos exprimem a mesma coisa: tradição, progresso que
olha para o passado; progresso: tradição que deita os olhos para o futuro. A
tradição artística da Liturgia, em mais de um ponto, esteve sempre em
progresso, mas teve sempre em conta as exigências fundamentais. A forma nasce
de um espírito. A Liturgia não é um pretesto para o exercício da Arte, nem para
invenções; ela é uma mestra, ela inspira, guia, regula, manda, exige, aceita ou
rejeita, faz-se servir. Dá um impulso para frente ou faz parar. Ordena a
discrição ou a reforma ou o retrocesso. Estará sempre satisfeita com o que é
natural, sincero, adaptado, simples e inteligível. A Arte pode cair em excessos
de toda casta. A Igreja vela. Recusa o que não está conforme com os usos
litúrgicos, o que é inconveniente, o que pode inculcar idéias falsas. Mas
consente em aprovar o que é novo 'insólito' se este novo é uma adaptação
melhor, se está contido, em germe, nas idéias tradicionais." (13)
O Santo
Padre Pio XI condena a Arte nova, não por ser nova, mas por contrariar ao
espírito, às tradições da Igreja, querendo transformar de sagrados que são, em simples
salões de festas, mundanos e pagãos, os templos do Senhor. "Não aceitamos
o novo, diz ele textualmente, só porque é novo, mas queremos um novo que seja
pelo menos tão belo quanto o antigo."
Estas
palavras dão-nos a norma a seguir: Interpretar o antigo com um sentimento novo,
e fazer, não cópias arqueológicas, mas obras que vibrem com um pensamento
moderno.
(1) C. M.
Aguiar Barreiros, Elementos de Arqueologia e Belas Artes, págs. 38-39.
(2) Fr.
Naval, Compendio de Arqueologia y Bellas Artes, I, p. 28, citando Izidro Gomá,
El valor educativo de la Liturgia católica.
(3) Guibert,
Contribution à l´éducation des clercs, págs. 18, 183-188.
(4) J.
Maritain, Art et Scholastique, p. 113.
(5)
Monsabré, Discours et panégyriques, VI, pág. 327-330.
(6) Sortais,
Traité de Philosophie, pp. 358-360.
(7) Platão,
em o Banquete.
(8) J.
Maritain, op. cit. p. 111.
(9)
Dictionnaire des connaissances religieuses, palavra "Art".
(10) J.
Maritain, op. cit. p. 112.
(11) Veja-se
Dictionnaire de Droit Canonique, artigo Beaux Arts, de Paul Bayard.
(12) Citado
por P. Alves Ferreira, em Opus Dei, ano 1934-1935, pág. 377.
(13) Paul
Bayard, em L´Action Liturgique, pág. 185, citado por Alves Ferreira, ibidem.
http://khristianos.blogspot.com.br/search?q=tradi%C3%A7%C3%A3o+crist%C3%A3
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